quarta-feira, 20 de março de 2024

Encontro com o ex-preso político, Carlos Almeida da Cruz

Hoje recebemos o senhor Carlos De Almeida e Cruz, professor aposentado, ativista e ex-preso político pela PIDE, que veio responder às muitas curiosidades das crianças do NCCD e NI. Para o receber, assim como à sua filha Ana que o acompanhou, um grupo do NCCD apresentou uma encenação livre e autónoma do livro de Ana Markl, Avó, onde estavas no 25 de abril?. E outros meninos deste núcleo declamaram o poema “ a cor da liberdade”, de Jorge de Sena, e até houve uma versão rap. O nosso convidado falou sobre os tempos do Estado Novo, os períodos de prisão, a tortura a que eram submetidos pela PIDE e do dia em que tudo mudou com Salgueiro Maia e a força do povo. A sua filha Ana leu-nos um excerto de O Tesouro, de Manuel António Pina, que conta como se sentiam as pessoas durante o Antigo Regime! Estamos muito gratos ao sr. Carlos e à Ana por nos terem proporcionado esta lição de História e Cidadania tão importante para que estas crianças assegurem um futuro de liberdade!

Eis um apanhado do que o senhor Carlos da Cruz nos contou:

A história do 25 de abril não começou no dia 25 de abril de 1974. Nos anos que antecederam esse dia, vivia-se sem liberdade para falar, para viajar, ... Não se podia falar mal do governo, não se podia discordar. Praticamente todas as coisas boas estavam proibidas. As mulheres estavam às ordens dos maridos; os homens é que eram senhores da razão; as mulheres não. Também não podiam ter qualquer profissão nem votar.. Hospedeiras, professoras, enfermeiras não podiam casar com quem gostavam - tinham de pedir autorização ao governo. Na escola, as meninas não podiam usar calças; ninguém estava autorizado a pensar, só a obedecer. Batia-se quando alguém não sabia a tabuada ou a lição; por vezes eram os próprios colegas que tinham de dar as reguadas uns aos outros. Não poderia haver mais de três pessoas na rua a conversar pois a polícia achava que estavam a conspirar.

Quando era professor em Vila Franca de Xira punha os alunos a procurar informações sobre soldados mortos na guerra colonial e publicava-as em jornais. Não concordava com a guerra colonial (matou quase 10 000 pessoas e os que não morreram ficaram deficientes ou com problemas mentais -30 000) e o que fazia com os seus alunos desagradava ao governo. Esteve preso em Caxias onde foi torturado para denunciar quem lhe dava informações. Um ex-aluno seu também foi preso durante 30 dias; outro, foi torturado 37 dias sem dormir - a chamada tortura do sono: impediam-nos de dormir e por vezes batiam-lhes com chicotes para os obrigarem a falar. Ele esteve 10 dias e 10 noites sem dormir. Entre 1968 e 1972 foi preso várias vezes por curtos períodos, sendo o maior de maio a junho de 1972 e de onde saiu sob fiança a tempo de assistir ao nascimento do filho, graças à intervenção de um padre. A sua própria filha esteve presa antes de nascer, pois a sua mulher também foi presa. A PIDE prendera-a para o obrigar a falar sob pena de não a libertarem se o não fizesse. A tortura era física e psicológica.
Em dezembro de 1972 participou num encontro secreto na capela do Carmo para falar contra a guerra, mas a PIDE apanhou-os. Os que eram professores foram expulsos do ensino tal como ele fora em 1969. Carlos da Cruz só regressou ao ensino em 1976, tendo sido operário para sobreviver e sustentar a família.

Havia muitos informadores, cerca de 30 000; e da PIDE eram uns 10 000. O medo era tanto que até se tinha medo de se ser denunciado pela própria família.
As pessoas não eram todas más, mas muitas fizeram coisas más por medo.
Muitos fugiam do país para não irem para a guerra. Ele, Carlos da Cruz ajudou a levá-los até à fronteira e um dia foi preso porque um deles o denunciou de ser passador clandestino. Como nunca recebera dinheiro por ajudar outros a fugirem, acabou por ser perdoado.

Na véspera do 25 de abril, Carlos da Cruz estava em Lisboa, no Saldanha, à espera de outros operários da TAP para fazer um panfleto sobre mandar o regime abaixo. De manhã telefonaram-lhe que Salgueiro Maia vinha de Santarém para mandar o regime a baixo. Ainda foi dada ordem para as tropas do regime atirarem sobre Salgueiro Maia, mas ninguém o fez, só morrendo 4 manifestantes à porta da sede da PIDE. Passou o dia no Largo do Carmo a festejar a Liberdade!

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